segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DELFIN NETO: Uma aposentadoria do Poder Executivo é 12 vezes maior que a de um trabalhador do setor privado

Entrevista de 24/12/2009 a Ricardo Leopoldo - JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO.

"O Brasil precisa entrar no século 21"

Para Delfim, o próximo presidente precisa investir em tecnologia para que a economia brasileira seja de baixo carbono e que reforme urgentemente a Previdência Pública, pois uma aposentadoria do Poder Executivo é 12 vezes maior que a de um trabalhador do setor privado do INSS.



Para o Brasil crescer com vigor e desenvolvimento social a partir de 2010, o novo presidente da República precisa elevar os investimentos em tecnologia, sobretudo em energia não fóssil. Também é urgente que reforme a Previdência. Esses são temas que preocupam há um bom tempo o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. Nesta entrevista à Agência Estado, ele diz que é ilusão imaginar que o País será a quinta economia mundial em 2016 sem investimento pesado num padrão energético que não dependa do petróleo. "Do contrário, o Brasil será um país com grande exportação, mas miserável." Delfim acredita que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá de 5% a 6% em 2010 e ironiza os analistas que apostam na alta dos juros. "A inflação está controlada. Quando vejo um sujeito dizer que 2011 terá inflação alta, digo que ele não sabe nem qual será a inflação de janeiro de 201."

Quais são as principais propostas que os candidatos à Presidência da República devem defender em 2010 para que o Brasil cresça com vigor e sem riscos de inflação?

Têm que começar a entrar no século 21. Terão que apresentar um programa de uma economia de baixo carbono. O petróleo é do século 20. O pré-sal foi um bônus extraordinário, que livrou o Brasil de restrições externas. Provavelmente as duas causas que impediriam o crescimento do Brasil por vários anos estarão superadas com o pré-sal, que eram o financiamento do déficit em contas correntes e falta de energia. Mas o investimento que estamos fazendo hoje no pré-sal é do século 20. O petróleo não pode ser usado no transporte. Ele terá que ser reservado para o setor petroquímico, para usos mais nobres, onde não há substitutos.

Por exemplo?

Não é só o etanol, mas também os carros elétricos. Há uma revolução tecnológica em andamento. Qual é o objetivo de Barack Obama? Reconquistar a autonomia energética que os EUA perderam. Por que ele dá US$ 4 mil de subsídio para o consumidor comprar carro novo? Um carro novo anda 60% mais do que o automóvel velho com o mesmo combustível. Não foi à toa que ele nomeou um Prêmio Nobel como secretário de Ciência, um sujeito que está envolvido com energias alternativas, e direcionou US$ 700 bilhões para pesquisas.

O sr. avalia que o Brasil pode crescer 5% ao ano por um longo período, desde que se modernize. Como isso deve ocorrer?

O País precisa andar pelo caminho correto, que passa pela mudança da indústria e dos serviços no mundo, pois não serão mais como no século 20. O século 21 será caracterizado por uma economia cuja relação C0² em relação ao PIB vai ser reduzida. Veja o caso da China, qual foi a restrição imposta pelo governo? "Faço tudo, desde que mantenha um crescimento de 9% ao ano. Se for 8,25%, deixo de cumprir qualquer coisa, não tem acordo de clima, pois abaixo de 9% vou ter problemas (sociais)."

Quais serão as diretrizes que o próximo presidente do Brasil terá de adotar para que o País cresça 5% no longo prazo em equilíbrio com a preservação ambiental?

O Estado indutor tem que começar a dirigir seus estímulos para essa nova realidade. O governo não pode assumir todos os compromissos que está assumindo sem entender que é preciso mudar a orientação da indústria e dos serviços. O Brasil está numa armadilha demográfica.

Em que sentido?

No sentido de que a população vai começar a se reduzir em 2030. A taxa de crescimento da população será de 0,8% ao ano e declinante. Além disso, será necessário dar emprego de qualidade para 150 milhões de cidadãos para que o País continue crescendo. Mas isso não poderá ser feito com a atividade exportadora de produtos agrícolas e de minérios. Será preciso desenvolver a indústria e os serviços na direção correta, que é o desenvolvimento da economia de baixo carbono para dar emprego de boa qualidade à população. Do contrário, o Brasil será um país com grande exportação, mas miserável.

O sr. acredita que os dois principais pré-candidatos à Presidência, a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra, começam a entender que o bem-estar do povo depende em boa parte do uso de energias alternativas?

Não tenho dúvida de que devem estar pensando nisso. A verdade é que os EUA estão impondo uma linha de desenvolvimento econômico que a maioria das pessoas ainda não entendeu.

O Brasil não está num estágio muito incipiente no desenvolvimento de tecnologias essenciais para elevar a produtividade da economia?

O Brasil é um país altamente inovador. O que não há é suporte creditício para a inovação. O País abandonou a pequena e média indústria. Além do Sebrae, não há mais nada. É na pequena e média empresa que está a semente da inovação. O parafuso quadrado é produzido no Belenzinho (bairro paulistano) por uma fábrica no fundo do quintal.

Então, é imprescindível que o próximo governo aumente muito os investimentos em pesquisa?

Sim, precisaremos ter muita pesquisa. Eu não sei se o governo vai colocar todos os recursos financeiros no pré-sal, no trem-bala, nas obras relativas à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016. Investimentos nestas áreas proporcionam expansão do País. Mas o crescimento estável é gerado pela nova orientação da indústria e dos serviços. É preciso uma nova concepção de crescimento.

O que é preciso além de recursos públicos para gerar tecnologia em diversos setores produtivos?

Não é só dinheiro. É ciência básica e experimental. Um exemplo clássico é a Embrapa. Toda a evolução do setor agrícola nacional surgiu da Embrapa. Contudo, há problemas estruturais. Além do fato que o desenvolvimento da agricultura economiza terra e mão de obra, o Brasil tem que resolver o problema da Previdência. Não é a Previdência privada que precisa ser alterada, é a pública, que é escandalosa.

Por que?

Basta ver o que os burocratas conseguiram para eles mesmos. Uma aposentadoria do Poder Executivo é 12 vezes maior que a de um trabalhador do setor privado. No caso dos Poderes Legislativo e Judiciário, o benefício é 30 vezes maior.

E ainda há a tendência da população idosa de aumentar em alta velocidade nos próximos 20 anos.

Exato. A armadilha demográfica pôs isso em maior evidência. A população brasileira vai registrar envelhecimento rápido. Em 2009, dos 191 milhões de habitantes, 6,7% são pessoas com idade de, pelo menos, 65 anos. Em 2030, teremos 216 milhões de cidadãos e a proporção de pessoas de 65 anos em relação à população total quase dobrará, pois atingirá 13,3%. O número de pessoas entre zero e 15 anos vai avançar em ritmo muito menor. Isso vai provocar uma mudança da pirâmide demográfica, com consequências desastrosas, se não for corrigido o problema da aposentadoria.

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