segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

INSS: A DIVIDA CONTINUA E ATÉ AUMENTOU

04/05/2003 - 06h27
Dívida com o INSS triplica em cinco anos e beira os R$ 180 bi
MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Ao mesmo tempo em que encaminha ao Congresso Nacional projeto de reforma previdenciária que aperta os bolsos dos servidores públicos e, por tabela, parte dos trabalhadores da iniciativa privada, cresce a inadimplência no pagamento de contribuições sociais das empresas.

Os créditos que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) tem a receber rondam os R$ 180 bilhões. O volume da dívida quase triplicou em cinco anos.

Segundo o Ministério da Previdência Social, há R$ 79,2 bilhões de créditos em cobrança administrativa e outros R$ 99 bilhões -mais difíceis de cobrar- já inscritos na dívida ativa do INSS.

"É difícil dizer quanto da dívida é incobrável, mas há uma quantidade enorme de empresas que faliram e não deixaram nem vestígios nem bens", avalia o procurador-geral do INSS, João Aragonés Vianna.

Essa contabilidade não leva em conta uma forma mais sutil de burlar os cofres da Previdência, movida à crescente informalização do mercado de trabalho.

Ainda de acordo com dados da Previdência, deixam de contribuir mais de 18 milhões de trabalhadores por conta própria ou sem carteira assinada, cerca de 40% de um universo potencial de contribuintes.

Tampouco entram na contabilidade as isenções concedidas a empresas ditas filantrópicas, por exemplo. Com esses benefícios, o governo deixou de arrecadar R$ 2,2 bilhões no ano passado.

São vários os meios de burlar os cofres da Previdência, apurou a Folha em um dos escritórios que prestam consultorias a empresas dispostas a cortar custos. É um negócio próspero.

Há operações simples, que usam brechas da legislação e são chamadas de "elisão fiscal", como transformar funcionários em empresas prestadoras de serviço, que não pagam INSS. E há ainda formas mais sofisticadas de sonegação, envolvendo o desaparecimento de empresas. Todas elas contam com a ineficiência da máquina de cobrança do governo.

Além da falta de pessoal e de serviços de inteligência para a cobrança, o governo lamenta o dispositivo legal que manda suspender a execução da dívida quando não são encontrados bens do devedor. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça passou a não considerar sócios como responsáveis pelas dívidas se não ficar provada intenção de lesar o fisco. É um grande obstáculo à ação dos procuradores do INSS.

Um exemplo da dificuldade de cobrança é a Droga Glicério Ltda, que figura na lista dos maiores devedores da Previdência, com dívida de R$ 529,6 milhões.

A rede de farmácias no interior de São Paulo desapareceu. No endereço, os funcionários de uma nova rede dizem que o antigo dono está foragido. A Folha não conseguiu localizá-lo, mas encontrou registro de exclusão da empresa do Refis (Programa de Recuperação Fiscal) por falta de pagamento.

Grandes devedores

A dívida do grupo dos 15 maiores devedores da Previdência seria suficiente para bancar mais da metade da economia projetada com a reforma que Lula encaminhou ao Congresso na última quarta-feira. São R$ 6,7 bilhões de dívida contra uma economia estimada entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões com a reforma até o final do mandato do petista, em 2006.

O número inclui o aumento da contribuição de parte dos trabalhadores da iniciativa privada decorrente do aumento do teto das aposentadorias para R$ 2.400

A lista dos grandes devedores a que a Folha teve acesso na semana passada é encabeçada pela Transbrasil, empresa aérea que deixou de voar em dezembro de 2001 e tem a companhia de outras empresas do setor: a Varig e a Vasp detêm, respectivamente, o quarto e o sexto lugar na lista. A Transbrasil informou, por meio do assessor Carlos Badra, que a dívida será renegociada.

A lista dos maiores devedores será divulgada nos próximos dias pelo ministro Ricardo Berzoini (Previdência), com base numa lei de 1991 (nº 8.212), que obriga o governo a dar publicidade aos nomes dos devedores a cada três meses. Essa regra nunca foi cumprida nos últimos 12 anos.

Antes de tornar públicos os nomes dos devedores, a lista passa por uma triagem para separar aqueles que cumprem programas de parcelamento das dívidas dos devedores contumazes.

O Estado de Goiás, por exemplo, aparece em segundo lugar no ranking dos maiores devedores, mas fez recentemente um novo acordo com o governo para parcelar o pagamento. Segundo a secretaria de Fazenda, a dívida já é maior que os R$ 685,8 milhões registrados na lista da Previdência.

A Encol, construtora que faliu em março de 1999 deixando 42 mil famílias sem receber seus imóveis, aparece em terceiro lugar na lista, com dívida de R$ 631,6 milhões.

São 102 empresas (incluindo estatais) com dívidas acima de R$ 100 milhões.

Segundo o INSS, 6% dos devedores devem mais de R$ 1 milhão cada um, concentrando 84% do total dos créditos do instituto.

As histórias de pagamento nesse grupo ainda são raras, embora haja oito unidades especiais no país para a cobrança dos grandes devedores. O procurador-geral do INSS pretende dedicar atenção especial à dívida dos pequenos devedores, embora contabilize R$ 864 milhões de débitos de todos aqueles que devem entre R$ 3.000 e R$ 10 mil. A expectativa é que eles paguem.

A dificuldade de o INSS cobrar de seus devedores já foi objeto de auditorias no TCU (Tribunal de Contas da União). Chamou a atenção dos auditores em 1998 o fato de o instituto só ter conseguido recuperar naquele ano R$ 1 bilhão da dívida, na época em torno de R$ 50 bilhões. Em 2002, o desempenho da cobrança não foi muito diferente, e a dívida ativa já passava dos R$ 90 bilhões.

O mais recente trabalho do tribunal atribui o fenômeno especialmente "ao moroso aparato jurídico-processual em que se desenvolve a cobrança dos débitos, excessivamente tolerante, sem equivalente em qualquer Estado Democrático de Direito no mundo, a chicanas e manobras procrastinatórias por parte dos devedores de maior capacidade econômica". É um grande ralo de dinheiro público de que a reforma da Previdência não cuidou

Nenhum comentário: