quinta-feira, 28 de abril de 2011

APOSENTADORIAS EM OUTROS PAÍSES: HOJE NAS AMÉRICAS SOB A ÓPTICA DO BID





Uma perspectiva melhor para as aposentadorias?
Um novo livro analisa os sucessos e dificuldades das reformas previdenciárias que ocorreram em toda a América Latina e oferece lições para o futuro



A América Latina causou um impacto importante sobre as reformas previdenciárias no mundo todo desde que o Chile lançou, em 1981, seu programa pioneiro de um sistema de aposentadorias obrigatório baseado em contas individuais, privadas e reguladas. Desde então, 10 nações latino-americanas realizaram reformas significativas em seus sistemas previdenciários, principalmente durante a década de 1990, que incluíram o estabelecimento de contas de aposentadoria privadas e contribuições definidas. Essa reestruturação transferiu responsabilidades e financiamentos do setor público para o privado e mudou a percepção sobre a seguridade dos idosos. O processo de reforma continua. Reformas anteriores estão sendo aperfeiçoadas, e países que ainda não fizeram mudanças estão enfrentando pressões crescentes para adotar maneiras mais eficientes de lidar com o problema das aposentadorias de sua cada vez maior população de idosos. Um novo livro publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento explica os desafios futuros para as reformas previdenciárias e oferece sugestões para lidar com as crescentes pressões demográficas. Intitulado A Quarter Century of Pension Reform in Latin America and the Caribbean: Lessons Learned and Next Steps, o livro contém 12 ensaios de 16 autores que analisam problemas previdenciários na América Latina e no Caribe.

A organizadora do livro, Carolin Crabbe, especialista sênior em sistemas de aposentadoria do BID, conversou recentemente com Daniel Drosdoff, da BIDAmérica.





A Quarter Century of Pension Reform in Latin America and the Caribbean: Lessons Learned and Next Steps.
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BIDAmérica: Desde que o Chile deu início à sua reforma previdenciária em 1981, vários outros países latino-americanos também realizaram reformas, adotando contas privadas ou promovendo alterações num sistema de benefícios administrado pelo governo, como foi o caso do Brasil. O que aprendemos com as experiências desses países?

Crabbe: Acho que uma das principais lições que aprendemos é que as reformas previdenciárias não devem ser realizadas isoladamente. Para ter sucesso, uma reforma previdenciária precisa ser acompanhada de outras medidas econômicas, como planejamento e gestão fiscal, conforme ilustra a experiência do Chile.

Em segundo lugar, aprendemos que, embora sistemas de aposentadoria com administração privada sejam uma boa opção para a população de renda média, eles não atingem os grupos de baixa renda. Há pessoas que não podem tirar de seu salário mensal uma contribuição previdenciária e, assim, ficam excluídas da participação no sistema de aposentadoria. Precisamos pensar em outras opções para alcançar esses e outros grupos excluídos, como os participantes da economia informal e do setor rural.

BIDAmérica: Muitos países realizaram reformas previdenciárias como um meio de contribuir para a modernização e estabilização das finanças nacionais. Se eles estenderem os sistemas de forma a incluir os pobres, como vão encontrar recursos para financiar esse novo benefício?

Crabbe: Esse é, sem dúvida, um desafio, porque os sistemas de seguridade social anteriores faliram. A reforma previdenciária não pode ser realizada sem levar em conta a capacidade econômica geral de um determinado país. Vários países têm sistemas que alcançam os grupos de baixa renda, e estes precisam ser analisados. Um plano fiscal de receitas e gastos deve acompanhar qualquer reforma que estenda benefícios para pensionistas não-contribuintes e que garanta pensões mínimas.

BIDAmérica: Como podemos caracterizar a experiência latino-americana de reforma previdenciária como um todo: ela foi boa, ruim ou indefinida?

Crabbe: Existe uma polêmica considerável quanto a essa questão e, certamente, ainda não encontramos um país que tenha conseguido sucesso absoluto numa reforma previdenciária na primeira tentativa. Há necessidade de ajustar continuamente os sistemas por meio de reformas de segunda e terceira gerações. Ainda assim, podemos dizer que, de modo geral, as reformas na região tiveram êxito em estabelecer uma fonte bem regulada e mais segura de renda de aposentadoria.

BIDAmérica: Que sistema funciona melhor: o sistema basicamente privado, como o adotado pelo Chile, ou um sistema misto como vários outros países experimentaram?

Crabbe: O Chile continua sendo um modelo internacionalmente reconhecido, e a cobertura de seu sistema é melhor que a de outros países da região. Porém, mesmo no Chile, há uma consciência de que é preciso fazer mais para alcançar aqueles que não têm condições financeiras de contribuir para o sistema previdenciário. Uma lição que aprendemos é que um programa misto, com pilares tanto públicos como privados, pode ser uma maneira de atingir grupos de baixa renda e reduzir a carga sobre os recursos públicos escassos.

BIDAmérica: Embora sejam necessários 30 ou 40 anos de observação e experiência estatística para avaliar adequadamente uma reforma previdenciária, o novo livro do BID parece indicar que a maioria das reformas teve resultados importantes, com exceção da Argentina, que sofreu uma grave crise macroeconômica que distorceu muitos pilares da economia, incluindo o sistema previdenciário. O processo de reforma parou, ou ele vai continuar?

Crabbe: O processo de reforma vai continuar, porque a maioria dos países – e isto se aplica não só à América Latina, mas ao mundo inteiro – está enfrentando uma deterioração da equação de seguridade social. A força de trabalho está crescendo muito mais lentamente do que o envelhecimento da população. Isso representa um dilema para todos nós e desencadeia uma dinâmica mundial que predispõe a algum tipo de reforma.

BIDAmérica: Brasil, Paraguai e os países caribenhos de fala inglesa decidiram reformar seus sistemas previdenciários de financiamento público já existentes, em vez de adotar um sistema de contas privadas. O BID parece não tomar uma posição sobre qual sistema é melhor.

Crabbe: Isso é verdade. O BID não defende um ou outro sistema para os países que procuram assistência. Ambos os sistemas possuem aspectos bons e, em alguns casos, ter os dois convivendo numa economia, como nos Estados Unidos e em outros países, pode ser muito desejável. Uma das maiores vantagens do BID, e uma das razões pelas quais poderemos continuar contribuindo para o financiamento e oferecimento de assistência técnica a reformas previdenciárias, é que não pressionamos os países numa direção ou em outra. Vários formuladores de políticas de países membros mutuários do Banco comentaram que ficaram satisfeitos com a abordagem do BID pelo fato de esta não lhes apresentar uma solução única. Pode-se observar que os projetos de reforma previdenciária financiados pelo BID incluíram apoio tanto para reformas estruturais que estabelecem bases de financiamento privado como assistência para o que chamamos de reformas paramétricas, que modernizam sistemas de pensão com benefícios definidos e financiamento público já existentes.

BIDAmérica: A senhora mencionou os Estados Unidos como um país que possui um sistema de contas privadas. O sistema nacional de pensões norte-americano não tem como pilar básico o sistema de Seguridade Social?

Crabbe: As contas privadas são extremamente importantes para os Estados Unidos, tanto para os funcionários públicos como os privados. Grandes empresas norte-americanas complementam os benefícios da previdência social com seus próprios planos de administração privada. Além disso, os funcionários do governo federal também têm a oportunidade de investir uma parcela do salário em mercados financeiros privados por meio do U.S. Thrift Savings Plan, que faz parte do sistema de pensões federal.

BIDAmérica: Vários dos autores representados em A Quarter Century of Pension Reform mencionaram que os benefícios do sistema previdenciário chileno vão muito além da política de aposentadorias e que ele se tornou um pilar financeiro nacional. A senhora concorda?

Crabbe: No ano passado, o sistema de pensões do Chile representava cerca de 70% do produto interno bruto do país. Esse número fala por si. Na verdade, é interessante ressaltar que todos os países que reformaram com sucesso seus sistemas previdenciários apresentaram crescimento em seus mercados financeiros.

BIDAmérica: Embora a senhora diga que o BID é neutro quanto a sistemas previdenciários de financiamento público ou privado, os sistemas privados não são a tendência do futuro?

Crabbe: Certamente haverá mais países interessados em examiná-los, mas isso não significa que irão adotá-los. Um país precisa de certas condições antes de implementar um sistema de aposentadoria privado.

BIDAmérica: Quais são essas condições?

Crabbe: Para começar, é preciso ter uma população de certo porte. Os pequenos países do Caribe não costumam se interessar por planos privados obrigatórios. Eles não têm a massa populacional crítica e o valor monetário de contribuições que atrairiam administradores de fundos de pensão. Portanto, esses países se decidem por um modelo de previdência pública.

BIDAmérica: Um sistema de pensão privado não é mais arriscado do que um sistema público? Segundo um ditado, governos nunca vão à falência.

Crabbe: Isso não é necessariamente verdadeiro. Um sistema privado que seja realmente privado, adequadamente regulado e conte com garantias para evitar que o governo interfira de uma maneira que possa distorcer o sistema pode ser mais seguro do que um sistema público. Por outro lado, num país com um crescimento muito estável, um plano público talvez pareça mais sensato, desde que se tenha uma força de trabalho considerável fazendo contribuições que possam sustentar as pessoas que estão se aposentando.

BIDAmérica: Houve surpresas na pesquisa dos sistemas de pensão que ofereceram alguma contribução para o livro?

Crabbe: Ficamos surpresos com as discrepâncias entre as aposentadorias recebidas por homens e mulheres. Não prevíamos esse resultado. Nenhuma das reformas previdenciárias na região levou o gênero em conta. As mulheres da região em geral trabalham menos anos, aposentam-se com tempo menor de contribuição para seu plano de pensão e vivem muito mais do que os homens. Pode acontecer que elas saiam da força de trabalho formal para cuidar dos filhos e, quando voltam ao mercado de trabalho, sejam recontratadas com salários mais baixos do que seus colegas do sexo masculino. As contribuições feitas por elas dentro do sistema podem não lhes garantir uma pensão adequada. Isso ficou evidente no Chile, por exemplo, em cujo sistema os anos de contribuição de muitas mulheres não eram suficientes para qualificá-las para a pensão mínima garantida pelo governo.

BIDAmérica: O que pode ser feito a esse respeito? As mulheres devem receber uma pensão mais alta por menos anos de contribuição?

Crabbe: Não necessariamente. Mas os países que realizam reformas previdenciárias devem incluir um perfil atuarial adequado para as mulheres em suas projeções, considerando o caso de menos anos de contribuição e maior expectativa de vida. Eles devem reconhecer que o gênero faz diferença no resultado do plano, uma vez que homens e mulheres têm perfis atuariais diferentes.

BIDAmérica: Esses perfis resultarão em maiores benefícios para as mulheres?

Crabbe: Eles podem permitir que sejam tomadas medidas em favor das mulheres em algumas circunstâncias, como durante os primeiros anos de vida de seus filhos. Essa é uma área que não é bem explorada e merece mais análise e, possivelmente, algumas mudanças em matéria de políticas públicas.

BIDAmérica: Houve outras surpresas?

Crabbe: Nós nos surpreendemos com o fato de que países que reformaram seus sistemas previdenciários com a expectativa de uma redução do déficit fiscal não conseguiram alcançar essa meta. Na maioria dos casos, esse resultado não foi obtido porque os países não empreenderam medidas que complementassem a reforma previdenciária, como um plano de receitas e gastos, e não permaneceram firmes no modelo de pensões original. Em vez disso, fizeram inúmeras alterações ao longo do caminho que aumentaram os custos. Esses países também não levaram em conta em seus planos alguns componentes de custo importantes, como os gastos com os "títulos de reconhecimento", que atestam as contribuições feitas para os sistemas de pensão anteriores.

BIDAmérica: De que maneira A Quarter Century of Pension Reform pode ser usado como um guia para países que estejam pretendendo realizar reformas previdenciárias?

Crabbe: Nós enfatizamos a necessidade de uma preparação atenta e completa antes de dar início a uma reforma previdenciária, assim como a necessidade de que ela reflita uma série de temas, como o modelo macroeconômico e institucional, a composição de gêneros, custos de transição, um plano para obtenção de consenso político e, claro, a análise das experiências de outros países da região. Destacamos que há uma necessidade real na região de modelos atuariais mais precisos e detalhados, com variáveis suficientes para prever resultados e mudanças no modelo. Um exemplo de uma dessas variáveis fundamentais pode ser um aumento nos benefícios de aposentaria que venha a afetar a integridade de todo o sistema. Reunir informações atuariais de alta qualidade é um passo essencial antes de iniciar uma reforma, e o histórico da região pode ser consideravelmente melhorado nesse aspecto. Felizmente, os formuladores de políticas estão demonstrando mais interesse por sistemas atuariais e fazendo um esforço maior para melhorar os padrões. Nosso trabalho alerta para expectativas irrealistas não apoiadas em diagnósticos completos, ao mesmo tempo que destaca os avanços reais, as políticas pioneiras e os desafios das reformas previdenciárias na América Latina. Enfatizamos também, claro, a urgência de dar continuidade às reformas.

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