sexta-feira, 6 de maio de 2011

O controle total do Estado. Eles dominam tudo!

Postado por Villa em 05/05/2011

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 11 de agosto de 2004. Voltamos ao mantra: nada mudou. O governo continua usando do Estado como instrumento de propaganda partidária, como no episódio recente dos livros didáticos (denunciado no último domingo pela FSP).


TENDÊNCIAS/DEBATES

Mudanças que nada alteram
MARCO ANTONIO VILLA

Em 1899 , um republicano, desiludido com os rumos do regime, disse que a República tinha sido somente anunciada em 1889: a proclamação estava por vir; isso dez anos depois do golpe militar. Contudo mantinha ainda a esperança de que um dia tudo poderia mudar. Mais de cem anos depois, mudança continua sendo uma palavra mágica da política brasileira. Porém, quando parece que algo de novo vai ocorrer, as velhas práticas se mantêm e a frustração toma novamente conta do cidadão. É como se o sistema político estivesse blindado e impedisse que nascesse o novo dia: o amanhã é sempre o hoje.


Parece que foi abandonado o princípio republicano de gerir os recursos públicos com isenção, apartidarismo e probidade


O governo Lula mantém essa sina: a mudança anunciada transformou-se em conservação do que havia de mais arcaico, tanto na elaboração de políticas públicas, como no uso da máquina do Estado, nas alianças no Congresso Nacional com os régulos provinciais -como diria Joaquim Nabuco- e até no discurso dos seus ministros.
A bem da verdade, deve ser reconhecido que houve uma mudança: nunca na história republicana um presidente discursou tanto, inebriado pelo silêncio compassivo e o aplauso formal das platéias. Falou sobre tudo, da auto-estima dos brasileiros, passando pela falta de heróis nacionais, chegando até a dar lições de geografia (nem sempre corretas) aos norte-americanos sobre os países vizinhos do Brasil. Pena que, após os discursos, a realidade acabe se impondo: os ministros continuam inoperantes -inclusive os nomeados neste ano-, os programas sociais não saem do papel, o desemprego continua alto e assistimos (e vivemos), nas grandes cidades, uma verdadeira guerra civil. Enquanto isso, o presidente foi visitar o Gabão.
A sucessão de denúncias de uso da máquina pública é preocupante. Ora é a Embrapa, ora o Banco do Brasil, ora a máfia do bingo, ora...
Parece que foi abandonado o princípio republicano de gerir os recursos públicos com isenção, apartidarismo e probidade. Considera-se absolutamente natural que empresários financiem a reforma do Palácio da Alvorada, assim como não causa constrangimento a presença, na comitiva oficial que visitou a Ásia, do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, um dos homens fortes da República.
Seguindo a mesma falta de princípios, Lula passou uma tarde inteira com o animador de televisão Ratinho -que, como deputado federal, fez parte da base política do governo Collor-, comendo churrasco, ao som de uma dupla sertaneja, recordando nessa atitude, infelizmente, os concertos domingueiros que eram realizados na Casa da Dinda. Entretanto, quando visitou recentemente Campinas, recusou-se a encontrar a viúva do prefeito Toninho.
A cruel adaptação ao meio político, esse darwinismo brasileiro, atingiu em cheio o PT. Criado para ser uma espécie de porta-voz dos movimentos sociais surgidos durante o regime militar, tinha um severo código de conduta para os candidatos e seus militantes. Recordem-se as enormes dificuldades financeiras das campanhas, que eram financiadas com rifas e pequenas doações. Vinte anos depois, tudo mudou, ou melhor, o PT adequou-se à velha política.
O caso de São Paulo é um bom exemplo. Para reeleger Marta Suplicy, o PT alugou 500 peruas Kombi, encheu a cidade de outdoors com a candidata rejuvenescida (tal qual sempre fizeram os candidatos conservadores nos seus cartazes), montou um sistema de arrecadação de fundos que permitirá realizar a campanha mais cara da história da cidade e contratou centenas de cabos eleitorais, chamados pelo partido de animadores de campanha. No dia 29 de julho, na Vila Maria, como informou esta Folha, vimos a primeira atuação desses "animadores". Aos gritos de "tá tudo dominado", criaram constrangimentos a um dos candidatos opositores, José Serra. Pelo visto, até as antigas palavras de ordem foram definitivamente arquivadas.
A gestão da prefeita foi cinzenta e conservadora, comparativamente à primeira administração petista, a de Luiza Erundina, que teve de conviver com conjunturas nacional e internacional extremamente desfavoráveis. Marta obteve confortável maioria na Câmara dos Vereadores -utilizando-se das barganhas, tão comuns naquela Casa, entregou aos vereadores aliados as subprefeituras, nomeou centenas de assessores, realizou obras desnecessárias (como o túnel da Faria Lima), mas bem ao gosto do eleitorado malufista, e abandonou áreas de interesse tradicional do partido, como educação, saúde e cultura.
Tanto na Presidência da República como na Prefeitura de São Paulo, as alianças políticas foram justificadas: eram indispensáveis para obter a governabilidade. Porém, em vez de criarem condições para um governo de esquerda -esse conceito, aliás, desapareceu do linguajar oficial do petismo-, acabaram, por um lado, fortalecendo as tendências internas mais conservadoras, sedentas por abandonar o velho figurino, e, por outro, empurrando os governos para o campo da centro-direita, tanto na esfera econômica como na esfera social.
Se o velho republicano estava desiludido com o novo regime, certamente milhares de petistas (e ex-petistas) estão decepcionados com os rumos do país e da maior cidade do Brasil.

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