sábado, 14 de maio de 2011

OS IDOSOS ACIMA DE 60 SERÃO MAIORIA EM 2030

Em recente estudo do Banco Mundial, “Envelhecendo em um Brasil mais velho”, são expostas as implicações do envelhecimento populacional para o crescimento econômico, a redução da pobreza, as finanças públicas e a prestação de serviços.

Atualmente, o país está passando pelo que se denomina “bônus demográfico”, em que há mais pessoas em idade economicamente ativa do que idosos (pessoas a partir de 60 anos) e crianças juntos. Esse bônus impulsiona transformações socioeconômicas e, atualmente, é um dos principais responsáveis pelo impacto positivo na nossa economia.

De acordo com as projeções populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2008), a população a partir dos 60 anos aumentará 87,4% entre 2010 e 2030 e 198,2% entre 2010 e 2050. Por outro lado, a proporção da população de até 14 anos diminuirá 33,4% de 2010 a 2030 e 48,6% de 2010 a 2050. A proporção da população em idade ativa (de 15 a 59 anos) permanecerá estável de 2010 a 2030, mas diminuirá ao longo do período de 2030 a 2050.


Em resumo, a proporção de idosos quase dobrará em 20 anos e quase triplicará em 40 anos. Além disso, a proporção da população em idade ativa começará a diminuir a partir de 2030.

A pergunta que se coloca é: quais são os possíveis impactos deste fenômeno para o Brasil, principalmente no que se refere aos sistemas de saúde, público e privado? Para responder a essa pergunta é necessário entender como os sistemas de saúde são financiados e como o fator longevidade afeta os custos de saúde.

A maior longevidade da população afetará os custos de saúde de duas formas. Primeiro, o custo de saúde do idoso é maior. Segundo, o idoso no Brasil viverá cada vez mais, aumentando o total de gasto per capita com saúde a partir dos 60 anos. Além disso, com uma maior expectativa de vida, é natural o aumento de idosos com alguma dificuldade em suas atividades rotineiras, com independência funcional comprometida, sendo necessários cuidados contínuos por outras pessoas.

A partir de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008, foi possível verificar a prevalência de doenças crônicas relatadas por idosos. A medida chamada prevalência de doenças significa a proporção de portadores da doença no universo da população como um todo. Fazendo o exercício de projetar essa prevalência para a população de 2050, bem como a utilização de serviços de saúde, observa-se que envelhecimento populacional tende a elevar a prevalência de doenças crônicas e aumentar a demanda por serviços de saúde. As estimativas indicam que, de 2008 para 2050, a prevalência da hipertensão arterial aumentará de 14% para 30,7%; a doença do coração passará de 4% para 9,3%; o diabete melito aumentará de 3,6% para 8,7% e o câncer de 0,6% passará para 1,3%. No que tange à utilização de serviços de saúde, os resultados mostram que o envelhecimento implicará aumento de 18,6% no número médio de consultas por pessoa (de 2,8 para 3,4 consultas/ano por pessoa) e crescimento de 36,5% no número médio de dias de internação (de 0,3 para 0,4 dia de internação/ano por pessoa).

Para que o atendimento seja assegurado, com o aumento da população idosa e da demanda por serviços de saúde, seria necessário um aumento proporcional do orçamento, público e privado, direcionado ao custeio dos serviços de saúde. Estes resultados expõem o tamanho dos desafios que deverão ser enfrentados nas próximas décadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pela saúde suplementar.

O Brasil precisa aproveitar a oportunidade atual e se preparar para as mudanças estruturais que enfrentará nas próximas décadas. Uma delas ocorrerá no sistema de saúde, que precisa se adequar para o futuro perfil demográfico e epidemiológico. Este é o melhor momento para iniciar esta mudança, para que possamos aproveitar os benefícios do bônus demográfico.

Para a saúde suplementar, a questão crucial é o financiamento. Um dos conceitos fundamentais dos planos de saúde é o sistema de mutualismo, no qual o seu financiamento está baseado. Nos planos de saúde, a mensalidade é baseada no custo per capita de cada faixa etária. Em cima deste valor, para chegar ao valor final da mensalidade, são adicionados os componentes para cobrir despesas administrativas, despesas de comercialização e tributos. As regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) atualmente exigem que a mensalidade da faixa etária mais idosa (a partir de 59 anos) não ultrapasse em seis vezes o valor da faixa etária mais jovem (de 0 a 18). No entanto, o custo per capita da faixa etária mais idosa já é maior do que seis vezes o custo per capita da faixa etária mais jovem, de forma que os planos de saúde são obrigados a cobrar a mais dos jovens para poder obedecer à regra da ANS.

A regulação atual também limita o reajuste por faixa etária. Para os planos contratados depois de 1999, quando começou a vigorar a Lei 9.656/98, a qual regula, via ANS, o reajuste por variação de custos ou por mudança de faixa etária, e depois do Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03), foi vedada a cobrança de valores diferenciados em razão da idade para aqueles que têm mais de 60 anos. O reajuste por variação de custos é o aumento anual de mensalidade do plano de saúde em razão de alteração nos custos, ocasionada por fatores como inflação e uso de novas tecnologias.

Desequilíbrios O fato de a legislação brasileira impor limites à variação de preços cobrados de acordo com a faixa etária tem provocado desequilíbrio entre os valores de mensalidade cobrados e aqueles que deveriam ser cobrados para financiar o custo da saúde em cada faixa etária. Com isto, o valor não arrecadado nas faixas etárias mais avançadas inevitavelmente é incorporado no preço das faixas etárias mais jovens, que pagam um preço mais alto do que o necessário para se financiarem.

Com o esperado envelhecimento populacional, esse sistema pode se tornar insustentável dentro de um prazo não muito longo, pois a proporção de idosos no Brasil crescerá 47% entre 2010 e 2020. O pagamento do custo dos idosos pelos mais jovens induzirá cada vez menos a adesão de pessoas saudáveis em planos, inviabilizando o sistema, que tem sua precificação calculada a partir do custo de saúde per capita de cada faixa etária. A precificação enrijecida poderá vir a provocar um aumento do preço dos planos à venda para que seja possível sustentar financeiramente os planos já vendidos.

A regra imposta pelo Estatuto do Idoso pode vir a inviabilizar os planos de saúde. O aumento da proporção de idosos com mais de 75 anos de idade e um decréscimo da proporção dos idosos até 75 anos desestabilizará o equilíbrio atuarial dos planos de saúde, pois a mensalidade da faixa etária a partir de 59 anos é calculada com base na distribuição etária dos idosos à época do cálculo. Os estudos mostram que, enquanto um indivíduo com idade entre 60 e 69 anos gasta 5,5 vezes mais do que um jovem com idade até 17 anos, um idoso com idade superior a 70 anos gasta o equivalente a 10,5 vezes mais do que o mesmo jovem. Com o aumento da proporção dos idosos com mais de 75 anos o custo per capita com despesas de saúde dos idosos aumenta, sem que haja previsão na regulamentação para corrigir este efeito.

No que tange à saúde suplementar, uma proposta que vem sendo estudada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) é o Plano de Saúde e Previdência. A ideia é poupar quando ainda se está jovem para garantir um fundo que financie sua saúde no futuro. Uma parte do valor cobre a despesa com o plano no presente e outra parte é guardada numa poupança, que poderá ou não ser usada com a saúde, mas que, se for, tem benefícios tributários. Um sistema de franquia no qual parte dos custos com consultas e exames é coberta pelo beneficiário e as maiores despesas são cobertas pelo plano de saúde também está sendo avaliado. Neste caso, se o beneficiário for consciente, ele usará o plano de saúde na medida certa para ficar saudável, mas sem desperdícios, para que sua poupança fique protegida.

Em alguns países, os chamados “planos orientados pelo consumidor” são produtos que incentivam o beneficiário a assumir maior responsabilidade sobre a tomada de decisão quanto ao uso dos recursos da medicina. Este conceito de planos, atualmente não contemplado na legislação brasileira, nasceu em Cingapura na década de 1980 e foi sendo aperfeiçoado até chegar ao modelo atual, que tem obtido boa adesão nos EUA. Por suas características e incentivos, pode-se esperar que ajudem a enfrentar o desafio de financiamento da saúde dos idosos.

Além de uma população mais idosa, esta se tornará mais longeva (maior número de idosos muito idosos). As previsões demográficas devem servir de alerta para os gestores tanto da saúde pública quanto da saúde privada para atender às demandas assistenciais futuras – seja por financiamento público ou privado. O envelhecimento populacional é, sem dúvida, o maior desafio tanto para o sistema de saúde suplementar quanto para o SUS. A saúde é um direito constitucional de qualquer cidadão, vital, que deve ser analisado com atenção pelo poder público. No campo privado, é necessário aprofundamento nessas legislações acerca da sustentabilidade econômico-financeira do setor frente às mudanças demográficas e as legislações enrijecidas.

Luiz Augusto Carneiro é superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar e professor da USP.

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